" Entre as alas da multidão que se comprime começa o desfile dos prisioneiros de guerra. Vêm primeiro os ministros, depois as prostitutas, depois actrizes representando as últimas revistas, depois diplomatas representando os últimos papéis, depois a finança e os bancos, depois músicas. Segue a Igreja e os seus grandes prelados, e o génio que não serviu senão a sua vaidade e o seu egoísmo; a arte e os seus grandes ouropéis; os juízes, a magistratura, a complicação para ganhar dinheiro e um catafalco monstruoso, um catafalco complicado e inútil. Toda a gente assiste sem um grito, sem uma exclamação, sem uma palavra. Seguem o préstito meninas com asas e mantos azuis, meninas com legendas, músicas esbaforidas, e um homem convencido, que solta pombas brancas sobre a multidão. Acompanham-no outros com dísticos de papelão dizendo: Felicidade universal - Paz, união e progresso - Moralidade - Fraternidade! Fraternidade! A passo avançam servos com algumas cabeças degoladas em pratos de cobre, alguns reis a dançar como o profeta David, o corpo de baile do teatro da Ópera, dor , mistifório, absurdo e chufas. Gente às gargalhadas e uma mulher pálida, com olhos de espanto e as mãos torcidas de desespero. Alguns cadáveres arrastados pela lama, algumas meretrizes nuas, alguns homens notáveis de grandes barbas postiças. Damas vaporosas, a mulher de cabelos pintados, bela como um animal, adorada como nunca o foi pela bestialidade e pelo instinto e com ela himalais de farrapos, de chapéus, de rendas reduzidas a cisco, que se enredam nas pernas, voam ao vento, e se amontoam nas ruas. Segue o respeitável corpo médico, e depois as gerações superiores que tiram da vida o máximo rendimento que a vida pode dar, sabendo manejar os homens e fazendo à noite o cálculo do seu dia, e atrás a mudança trágica de uma velha casa sem serventia, com coisas indores, móveis suspeitos, lixo, e a D. Idalina num coche atirando beijos à multidão... E com isto dor."
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Os livros que ninguém quis dar a ler
Pedaços de mim - Eugénia Tabosa